sábado, 30 de outubro de 2010

O amor é um veneno

Ele estava sentado refletindo. De repente tudo parecia confuso. Seu olhar estava fixo, mas ele não estava olhando nada. O que ele via era seu passado que corria indo em vários momentos diante de seus olhos. Ele não entendia e estava assustado. Sempre fora o tipo de pessoa que preferia manter a rotina, os planos de sempre. Não gostava de mudanças, de surpresas, de contratempos. Ele sentia-se melhor com aquela falsa sensação de controle da vida. Algumas pessoas são assim, mesmo que no fundo saibam que não controlam nada.

E ali estava ele. Apavorado. Dividido entre a vontade de arriscar tudo e o medo de não estar mais na zona segura. Logo ele que sempre quis afastar qualquer coisa que pudesse fazê-lo sentir inseguro sobre o futuro, deixara a barreira falhar por poucos minutos e agora tudo havia desabado.

Ele pensava nela. E sentia raiva. Ah, se ele pudesse estar perto dela agora, ele a mataria de tanto ódio que conseguia sentir. Ela sabia o que fazia com ele, como o deixava e sentia prazer nisso. 'É uma sádica, uma dissimulada...' e antes que pudesse continuar com sua longa lista, ele parou. Sabia que procurava achar defeitos para não chegar na real verdade. A raiva que sentia, na verdade, era porque ela o desafiava, ela questionava suas verdades, suas decisões e ele morria de medo de acabar as questionando também. Ele morria de medo de acabar dando razão a ela, porque ele queria, mas desde a última vez que ela foi embora, ele prometeu nunca mais a deixar vencer.

Ela não era como ele. Ela não tinha um plano definido que seguiria a todo custo. Ela mudava, a cada segundo. Ela queria viver conforme a vida fosse mostrando. E ele faria qualquer coisa para não amar uma mulher assim. Uma mulher tão instável que a qualquer momento poderia decidir que já não o queria mais. Mesmo depois de tudo, ele não poderia arriscar desistir de todos aqueles planos, que lhe eram tão seguros, por algo tão arriscado. Ela era arriscada demais. Confusa demais. Incosntante demais.

Como queria esquecer, como queria fugir. E percebeu que já havia feito isso. Por isso estava ali agora. Tentara, inutilmente, fugir. E seu plano já não parecia tão bom. Estava distante fisicamente e ainda sim não conseguia fugir dela, daquelas palavras, daquela rebeldia sem causa de quem quer ser diferente a todo custo só para não admitir que é como todo mundo.

Ele se concentrava a todo custo nas coisas ruins. Sua raiva estava passando, seu ódio se dissipava para a ternura voltar. Ele não queria. Aquilo machucava. Não queria se entregar de novo, pois sabia que se o fizesse, dessa vez seria a última. Já havia adiado aquilo o quanto podia e a encruzilhada já estava a sua frente. Não tinha mais caminhos, não tinha como voltar, não tinha como fugir, não tinha como ficar parado ou ignorar, pois até se ele não escolhesse agora, a decisão de não decidir seria a escolha feita.

Ele não queria perder, mas ganhar trazia consigo o risco de perder. E era um risco que ele não estava disposto a enfrentar. Não ele que só apostava nas coisas concretas e certas. 'Ah, o amor é um quebra-cabeça que eu não entendo. Se eu só pudesse gostar daquela outra...'



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domingo, 17 de outubro de 2010

Liberdade

Eu tentei te segurar, eu tentei te manter, com unhas e dentes, de um jeito insano, com saudade, com raiva, com esperança de nós ainda podíamos. Eu tentei resgatar você do passado e te deixar no presente. Eu fiz isso porque achei que eu fosse tudo pra você que você ainda era pra mim. Não foi racional, não foi da melhor forma, mas foi da minha forma. Eu ainda acreditava nisso.

Em uma das poucas vezes que eu tentei fazer diferente, que eu tentei lutar, o resultado foi desastroso. Eu lutava sozinha uma batalha que pra você já havia sido perdida há muito tempo. Minta pra si mesmo, minta pra mim, minta pra todo mundo, mas você e eu sabemos a verdade. Eu percebi isso, vi que você tinha desistido, mas eu quis fazer você enxergar que ainda dava pra gente. Algumas vezes eu achei que eu estava conseguindo, ainda que você fossem coisas opostas o que você dizia e o que você fazia. As palavras me davam esperança e depois era com elas que eu me desiludia.

Eu dei meu grito de socorro sufocado várias vezes pra você, quando eu não queria nada além de compreensão, em silêncio, com você ao meu lado. Poder sentir que o mundo é uma loucura mesmo, que a gente se sente vazio, mas que é normal. Saber que você ainda era aquele que me confortava mesmo sem uma palavra, só com sua presença, porque sua presença sempre valeu muito mais do que qualquer palavra, qualquer conselho. A gente conseguia se entender melhor assim. Você fechou os olhos para mim. Todas as vezes. E eu neguei isso. Eu não queria acreditar que nossa amizade tinha acabado.

Aquele era meu último pedido de socorro, era sua última chance de salvar isso que já definhava e dava os últimos sinais de vida. Foram seis toques no celular, menos de sessenta segundos, mas eu senti mais de um ano passando naqueles poucos segundos. Dizem que quando a morte chega perto você vê a inteira passando por seus olhos. Eu vi nossa vida inteira, todas as bobagens, todos os risos fáceis passando pelos meus olhos que só esperavam uma voz cansada ou mesmo de raiva do outro lado.

Eu estava sozinha como em todas as outras vezes. Você fingiu não ver, você decidiu não enfrentar. Você fugiu como um garoto covarde, como sempre faz quando as coisas ficam difíceis demais. E eu chorei por você, pela última vez, no nosso enterro. Era a aceitação que finalmente chegava.

sábado, 9 de outubro de 2010

Aquela garota.

Ela sempre soube sobre aquela garota. Quem era aquela garota e quem aquela garota era pra ele. Ele não precisou contar, ela sempre sentiu. Todo homem tem uma mulher que o marca para sempre, que ele não esquece nunca. Ela sabia que nunca ia poder ser essa mulher, porque aquela garota já havia ocupado esse cargo.

Desde o começo de tudo, quando ele não era ninguém pra ela, quando ela não sentia nada por ele ainda, nunca gostou daquela garota. Aquela garota era o tipo de garota que sempre teve tudo, então se sente a rainha do mundo, aquela garota não tinha o rosto mais belo, mas seu corpo fazia qualquer um babar por ela e sabia disso, conquistava os homens assim e não por ter algo muito maior que uma ervilha na cabeça. Mas para ela, que não gostava de garotas assim, não foi esse o problema com aquela garota, esse seria o menor dos seus problemas.

Com tempo ele mostrou pra ela que aquilo não era uma ideia sem sentido. Ela que sempre quis estar certa de tudo, dessa vez que não queria, acabou certa e com o coração ferido.

O jeito como falava com aquela garota, os olhos com que ele olhava para aquela garota... Ela ouviu e viu, mais de perto do que gostaria, ela estava ali junto. Ele segurava suas mãos, mas ela sabia que ele, mesmo que no fundo, queria estar segurando as mãos daquela garota com quem conversava. Aquela garota... Sua vontade era gritar, mas ela só sorriu e respirou, mesmo o ar sendo sufocante para ela agora.

Ela sabia que nunca receberia olhos como os que ele dava para aquela garota. Ela sabia que talvez ele nunca gostasse dela como gostava daquela garota. Ela sabia que nunca conseguiria superar aquela garota e o que ele não sabia é que aquela garota, que nunca o quis de verdade, nunca gostaria dele como ela gostava. Como ela o amava.

E, depois de suportar dolorosamente a presença constante daquela garota nele, de sentir seu coração ser fatiado pedacinho a pedacinho cada vez que ele encontrava aquela garota, de ter estado ao lado dele como, talvez, aquela garota nunca esteve, foi aquela garota que o marcou e não ela.